quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

In Memoriam - Fernando Pessoa

Após um curtíssimo interregno, o Mestre volta à nossa PERCA...

"A luz por trás da torre
Faz a torre diferente.
A verdade, quando morre
Morre só porque não mente.

Mente a lua que se esconde
Por trás da torre de aqui,
Mente a torre porque é onde
A lua não está ali.

A lua é só um reflexo,
A torre é um vulto somente,
E assim, num íntimo nexo,
Qualquer diz verdade e mente.

E é desta mista incerteza
De verdade e de mentira
Que nasce toda a beleza -
Que desta hora se tira.

Saibamos, dando guarida
Ao que tudo é de metade,
Fazer bela a nossa vida
Mentindo com a verdade."


"Que linda é quem não és!
Teu anonimato vivo
Dorme, da cabeça aos pés,
Teu corpo, de ti cativo.

Teu corpo é teu prisioneiro.
Vive na cela de ti,
Íntegro, móbil, inteiro,
Ébrio de ti e de si.

És uma frase perfeita
De um livro escrito na vida.
E as vozes com que és eleita
Deixam-te falsa e esquecida.

Entre ti e o que és de bela
Grandes paisagens estão......

Não existes como estás.
Existe-te uma intenção
Que teu lindo corpo traz
À tona da sensação.

És uma alma em cuja vida
Puseram teu corpo a ser.
Essa beleza vívida
És tu, sem te pertencer.

Qualquer espírito alto
Serviu-se de haveres tu
Para esculpir no basalto
Do abismo teu corpo nu.

E assim olhas-me distante,
Mas não te olho. Vejo em ti
Não a alma flutuante
Que usas, mas teu corpo em si.

Bem podes usar em gozo
Do corpo que deram teu.
Fica sempre misterioso,
Filho da terra e do céu.

Não te pertence. Passou
Na terra como o que tem
Mais que tua alma sonhou.
Não vives, e ele é alguém."

1 comentários:

fs1 disse...

A verdade, quando morre
Morre só porque não mente.

 

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