domingo, 15 de março de 2009

Demónio

Afogo o cabelo escuro num rio de memórias.
Ouço-te ao fundo. O sorriso. A pele, agora mais branca e mais queimada da inexistência de uma mãe e de um pai. De um momento.
Afogo a percepção. Hoje finjo mais uma vez não saber nada. Na verdade, sei sempre demasiado. Isso costuma afectar os homens que me tomam. Como se o saber fosse denegrir os seus semblantes opacos.
Dizes diversas coisas. Algumas compreendo. Olho-te, os olhos fundos e imensos. Olho-te e em ti descubro sons e cores com as quais em tempos vesti o meu corpo. Olho-te mais fundo. Ainda mais fundo. Ainda estás aí? O sorriso quebrado. O homem fingindo-se de menino. O menino fingindo-se de homem.
Sei que largaste a minha mão em busca de planaltos e voos sem fim. Largaste-me, crente de um futuro e de um passado que só existiram na mancha do teu suor.
(lembro-te, um mundo e um pedaço de pão, um momento em que entraste e suspendeste a linha da minha vida na tua)
Contigo fui sempre muito eu e muito ninguém. Contigo consegui sempre tudo e fiquei sempre aquém. Contigo foi sempre tudo tão lilás e tão vermelho. Tantos enganos e tantas verdades.
O que sei ainda hoje, não faço ideia. Se o cabelo largado no teu peito, se a mão fechada na tua, se as lágrimas com que vesti o coração menino.
O que sei de ti? De mim? Dos dias em que julguei os meus pecados e os teus, no amanhecer de cada dia? O que sei da vida? Do sexo? Do amor? Da amargura de todas as noites em que não dormi a teu lado?
Não sei. Não sei. Não sei.
Beija-me. Sufoca-me todas as lembranças. Demónio humano, seduz-me. Desnuda-me. Prova-me.
Não sei. Ainda.
Beija-me.
(lembro-te, uma promessa e um fim em ti mesmo. amei-te de todas as formas que jamais poderei confessar a mim ou a qualquer outro semblante. amei-te e
empederni o coração para que jamais pronunciar o teu nome.)
Sufoca-me. Todas. As lembranças. Sufoca-me as mágoas, as inseguranças. Os medos.
(lembro-te...)

2 comentários:

fs2 disse...

Demónios bem reais infelizmente...

Gasocarbónica disse...

Há qualquer coisa que me faz ler-te e prender a leitura. De facto há *

 

a perca © 2008. Chaotic Soul :: Converted by Randomness