sábado, 27 de novembro de 2010

Cinza

Estou entupida de ideias. E de palavras.
Há tanta coisa que quer sair, delinear um qualquer raciocínio que é pertinente e encerra um capítulo.
Sinto pressão nas têmporas, letras que ruem de encontro à pele.
Há apenas uma verdade: o tempo pesa-nos nos ossos.
Ouço-te distante, e todas as frases são mentiras e falácias com que enredas os fracos de espírito.
Nessas mentiras algures, no meio de tantas letras e pontos finais, existem verdades. E eu devia decantá-las, trazê-las à luz do escrutínio da mente.
Mas estou tão perfeitamente queda. Não posso pensar ainda mais do que já o faço, nos intervalos do som das teclas em cadência.
Eu sempre pensei demasiado. É um vício que nunca irei abandonar. Os homens definem-se pela sua paixão. A minha é entender e desafiar as possibilidades, agrupá-las, catalogá-las. Despi-las de fronteiras.
Pensava demasiado e sonhava demasiado, fosse durante o sono ou no tempo que separa uma estação da outra.
Hoje, mais do que nunca, não faço puta de ideia do meu futuro. Mas a solidão parece-me uma saída tão viável como qualquer outra.

Incrivelmente sei que um dia não me farás qualquer sentido, e as tuas arestas serão apenas mais umas arestas entre muitas outras e não o repouso do meu coração.
Um dia, não serás mais que bolor e inexactidão. E isso ainda me dói. Dói-me a garganta, que se estreita perante a ideia de um dia todo o amor que senti não ser mais que uma fantasia absurda e fatal.
E o que é o amor hoje em dia? Uma merda qualquer. Não faço ideia. Há várias nortes aos quais perdi o rumo.

Amanhã estarei numa casa com um gato nos pés e um frio imenso nas mãos. Nos móveis não vão existir fotografias. Também não existirão mágoas. Essas, guardo-as para quem sente.
E neste mundo, garanto-te, ninguém sente ponta de coisa nenhuma.

As linhas estendem-se à minha frente e cada vez a bruma é mais espessa. Trabalho muito e ganho pouco. Estudei muito e o resultado prático disso é um futuro de merda. Ou uma inexistência de futuro.
As pessoas pensam que me conhecem. Pensam diversas coisas, elas pensam inclusivamente que pensam. Mas não têm sequer a noção do que é pensar, acordar com o pensamento a quebrar as têmporas, a rasgar a língua.
Ideias e pensamentos, fios condutores que são intermináveis.
É 1a da manhã e quero esquecer que um dia te amei.

E depois, existe toda a crise económica. Que a mim me parece uma crise de valores. E a crise de sentimentos. A crise de cores. As pessoas são cinza. O mundo inteiro é cinza. E cinza é porreiro, não digo que não.
As pessoas não passam de um momento particularmente aborrecido no mapa de Deus.
Cinza é uma merda. É o que é.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Reboot

Quando eu era mais jovem não era uma pessoa particularmente crente no destino. Em parte percebe-se o porquê. Tinha ainda muitos aninhos de juventude pela frente, objectivos por cumprir, um manancial de sonhos (deveras irrealizáveis), muitas questões, poucas respostas e, fundamentalmente, uma esperança enorme que me corria nas veias e me impelia a viver a vida com emoção.

Hoje, alguns anos volvidos, o cenário alterou-se ligeiramente. A juventude vai-se atenuando no passar dos anos e tento fingir que já sou uma mulherzinha (uns dias melhores que outros, parece-me). Os objectivos atropelam-se mutuamente, independentemente de ser tangíveis ou não. Os sonhos tenho-os durante a noite, nos dias em que me consigo lembrar deles (ainda que parcelarmente), e por vezes transformam-se em pesadelos, condicionando-me o estado de espírito do dia que se vai iniciar. Já não tenho tantas questões e já vou tendo algumas respostas mas, infelizmente, tenho agora questões bem mais complexas às quais, possivelmente, nunca conseguirei responder de todo. Quanto à esperança ... bom, essa esgotei-a toda durante o percurso. Hoje opero unicamente com base no princípio da realidade.

Faço este pequeno preâmbulo apenas para me posicionar perante a minha situação actual. Uma pequena frase provocou-me um autêntico reboot. Subitamente, foi como se me tivessem retirado um conjunto de informações abruptamente, um bloco inteiro de passado que se diluiu na minha memória. Faço um esforço enorme para me recordar das coisas e do seu encadeamento, para perceber o que me incomodou e tentar aferir a sua magnitude, mas não consigo. Ficou um vazio que não consigo explicar, pura e simplesmente. E dos poucos raciocínios que consegui estruturar com o mínimo de sentido lógico, só um me pareceu coerente: o destino.

Afinal de contas, sendo descrente em tudo o resto, sou hoje crente no destino. Fazendo um pouco o papel de espectadora da minha própria vida, consigo observar uma pequena coincidência que é a resposta directa à questão que eu coloquei. A curiosidade é que eu tinha a resposta comigo, ainda que de forma subliminar. Falo duma pequena sequência de eventos que, agregada, passou a fazer sentido num determinado contexto.
Mas a vida também é isto, estar atento aos pormenores, mesmo aos mais ínfimos. Faz-me lembrar aquela típica cena num filme em que poucos vão reparar, mas que encerra em si todo o significado da trama.
A decomposição das palavras por vezes é caricata. Em tempos chamaste-me a mim o que hoje lhe chamas a ela. O destino passou-me uma mensagem tão subliminar e tão arguta numa fase em que eu estava demasiado alienada para a entender. Viver a vida que os outros idealizam para nós às vezes dá nestas situações: sai de cena quem não é de cena.



sexta-feira, 19 de novembro de 2010

As Escolhas da Perca - Brandow Flowers

Período de turbulência e dúvidas pelo IC. Eis uma banda sonora.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Fernando Pessoa - Já não me importo

A avaliar pelas imagens de satélite é mesmo melhor ficar quietinha.

"Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.

Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei

Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,

Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,

Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.

E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz."

As Escolhas da Perca - Bryan Adams

Um tributo ao passado que me fazia bastante mais sentido que o tempo presente.

 

a perca © 2008. Chaotic Soul :: Converted by Randomness