segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Existem pessoas cujos objectivos nunca são alcançáveis. Ou então simplesmente não os definem para não sentiram que falharam. E no processo perdem-se a si próprias. Uma pessoa sem definição não é nada. É uma contradição e uma inexistência. Eu alcanço todos os dias o meu objectivo quando olho ao espelho e sinto vontade de sorrir. Quando sinto que o pouco que tenho é meu, foi construído por mim e pelas minhas escolhas. Quando à noite me viro e sinto o teu corpo ao lado do meu e sei que quando acordas procuras a minha anca. Definimos o nosso percurso quando entraste no meu espaço e me fizeste apaixonar-me por ti. Recordo como subitamente fechei os olhos e era o teu rosto que recordava. E de como isso me assustou. De como achei que nunca olharias para mim como mais que uma menina, como mais que um capricho. De como me entreguei e como foi tudo tão certo e tudo tão errado. Passaram-se tantos anos e foram tantos os recomeços. E finalmente construimos algo que é nosso. Acordo de manhã e sorrio-te e és tu e estás aqui. E eu sou ainda uma menina e sou já uma mulher e agarro aos poucos a ideia que é no teu ombro que repouso o rosto e é nos teus braços que esqueço o amanhã. E fizémos tantas escolhas e fomos tantas vezes embora. E como ainda me sinto tão assustada. E como todos os dias venço o medo, todos os dias construo-me e reconstruo-me, crio e recrio-me. À noite volto para ti. Perdi-me. Reencontrei-me. E ainda sou eu. Ainda digo as mesmas palavras, ainda me cubro, ainda sou tão só no meio de tanta gente. E tu aceitas-me. Tal como sou. Como sempre aceitaste. Que sempre traçaste as linhas do meu rosto com os dedos e me fizeste sentir amada. Com as minhas birras, com as minhas intensidades que te queimam a pele morena. Observo-te quando te levantas, os ombros largos, os músculos das costas. Os braços com que me apertas quando me encaixo em ti. O mundo lá fora é duro. E é uma luta que nos verga tantas vezes. Construo devagar um lar onde repouso as expectativas, a rebeldia serena com que neguei as raízes. Fui diferente e fui eu mesma num mundo onde só existe uma certeza: a nossa verdade é sempre a melhor. Quando a verdade é apenas o som da lágrima que desce pelo queixo Existem pessoas cujos objetivos nunca serão os meus. Um dia sonhei uma vida. Era diferente da que tenho agora. E ainda assim era igual. Porque nessa vida existia um homem que me ama e me aceita errada como sou. Que abarca a minha intensidade e regressa todas as noites e nunca questiona que o seu lar é onde ferve a minha alma. E é nessa riqueza que o meu ser continua plácido. A saber-te aqui. A amar-te na felicidade que apazigua todas as mágoas. Existem pessoas que querem muitas experiências. Muitas outras pessoas. Muitos sucessos. E eu quero apenas acordar todas as manhãs e saber que sempre que olho o teu perfil me inundo de amor e vontade de encaixar o teu rosto nas minhas mãos. Tudo o resto, não importa. Tudo o resto é superável, é contornável, é passageiro. O meu objetivo é coleccionar as memórias onde estaremos juntos. A sorrir.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Ponto de Interrogação

O mundo é feito de sombras e escolhas. As pessoas continuam a correr e a esconderem-se dos monstros que espreitam. Aos poucos, os corpos abandonam o país que os viu nascer e crescer. Procuram além fronteiras o reconhecimento que não adquirem na terra e no sal do tempo que investem na nossa sociedade. E os que ficam reconstroem aos poucos a vida com os degraus amargos que definem os nossos sorrisos. As pessoas caem, doentes da angústia. A nossa geração é a mais competente, a mais bem preparada, a mais forte. E ainda assim, tudo termina e recomeça e os ordenados não permitem ter poder de compra. Trocam-se os sonhos, vagueia-se à deriva. Fala-se muito e produz-se pouco. São muitas as revoltas, mas são poucas as reformas. Os que ficam sonham partir. Em busca de novas paragens. Eu continuo a sorrir e a enraizar-me no nosso pedaço de chão. Não existe nada além fronteiras que queira mais do que ficar aqui onde posso ter os meus perto do meu regaço. Descubro-me sem tolerância para as lamentações e para a falta de rumo de uma geração que devia estar a salvar-se a si própria. O mundo é afinal, feito de mudança. A loucura esteve sempre tão perto. Nada existe de novo no apelo sereno da falta de senso. Eu nunca hesitei. Nunca fui menos do que sou. Nunca me fingi resignada. Sei que amanhã tudo pode mudar. Existe musicalidade no silêncio. Pergunto-me se és realmente feliz. Se na tua escolha de te fingires rebelde e trocares tudo o que és por alguém que finge aceitar-te enquanto muda o teu semblante, se nessa escolha és feliz. Pergunto-me se te consideraste sempre tão pouco que não hesitaste em deixar de seres tu. Pergunto-me se afinal a carne sempre te pesou tanto nos ossos, como uma máscara seca que trazias e em que escondias a amargura de quereres ser especial. Pergunto-me, afinal, se agora te sentes diferente. Se te pensas mais autêntica por teres feito tudo diferente do que desenharam para ti. E eu apoiaria sem hesitar o teu caminho se fosse a tua mão a desenhá-lo e não alguém que te diz oferecer tudo por um rumo fácil. O mundo é afinal feito dos que prometem facilitismos. O mundo é dos que prometem. Dos que iludem. Dos que fingem. Dos que mentem. E eu não minto. Eu conheço bem as minhas fronteiras e os meus limites, as minhas verdades. Às vezes quase posso jurar que és tu que estás a meu lado e é a tua voz que ecoa o meu riso ácido. Aprendi com a vida que existem lutas que não são minhas. Este é o caminho que desenhas para ti. Um caminho que te leva para longe das minhas escolhas. E o amor, esse não perdoa nem justifica tudo. No meu amor existe apenas espaço para querer que estejas bem e estejas feliz. Mas o tempo ensinou-me que o coração não pode ganhar todas as lutas, não pode simplesmente impor a sua verdade. Pesa-me a tua ausência e de todos os que amei e que crescem longe de mim. As pessoas continuam a acharem-se superiores por poderem apontar os meus erros. E eu continuo a achar que essas pessoas não merecem uma linha de texto em que perca os minutos preciosos do tempo que escasseia a explicar-lhes que na realidade não trocaria um minuto da minha vida pela vida delas. Sou quem sou. Serei sempre quem sou. Não sou extraordinariamente simpática. Não sou extraordinariamente social. Não saio todas as noites para fingir ter uma vida cheia de eventos e memórias fictícias. Não sinto necessidade de tirar fotografias para preencher um vazio que perdura. Continuo a ser uma pessoa extramentemente solitária. Nem pretendo que isso mude. Não mudaria apenas pelas convenções da sociedade. Ou por saídas fáceis com respostas que apelam à cegueira mental. Continuo a ser uma dúvida e uma incógnita. Não pretendo ter todas as respostas. Pretendo ter todas as dúvidas. Pretendo ser sempre um ponto de interrogação.
 

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