Hoje deixo uma singela homenagem a alguém que nos deixou, mas que fez parte das vidas da FS2 e da FS3 durante algum tempo. Esta notícia, para além de me ter surpreendido, não deixou de me entristecer. Nem de propósito, tinha há dias falado dela. Há pessoas que nos marcam, e geralmente são aquelas que menos esperamos.
Não podia deixar de dedicar algumas palavras à pessoa que me ensinou a gostar e entender autores como Fernando Pessoa. Tivemos sempre uma relação relativamente atribulada. A professora extremamente dedicada, a aluna extremamente desligada. Eu reconhecia-lhe o valor que era dela, entendia o nosso Mestre como ninguém. Fez disso vida. Ela reconhecia-me o valor desperdiçado e a consciência disso. Tivemos as nossas pequenas batalhas, cada uma com vitórias e derrotas. Sei que me admirava à sua maneira, talvez porque conseguisse aquilo que outros não conseguiam, sempre duma forma tão desinteressada. Com o tempo percebi que tinha a sua razão, que há talentos que devem ser aproveitados, que há energias que devem ser canalizadas em determinadas direcções. E, no limite, quando precisei de ser ajudada para um objectivo de responsabilidade foi a primeira pessoa a quem recorri, e o resultado final foi, obviamente, excelente. Ficar-lhe-ei sempre grata por isso. Talvez não tivesse a postura mais correcta, talvez tenha sido agressiva às vezes, mas eu nunca fui fácil e ela sempre acreditou em mim.
Embora tivessemos uma existência paralela, há recordações que marcam uma vida. Há pessoas com quem temos as nossas quezílias, mas no final conseguimos sorrir quando nos lembramos das pequenas vicissitudes que ultrapassámos. Esta era uma delas. Deu-me uma grande lição de vida, numa altura em que me faltavam referências. Lembro-me perfeitamente de que foi colocada a dar aulas aos miúdos e do quanto me alegrou ter tido ainda a oportunidade de ter sido ensinada por ela. Quis o destino que a sua vivência ficasse por aqui, o que me entristece.
Hoje, os poemas do nosso Mestre terão apenas a minha interpretação. Já não posso recorrer ao conhecimento proficiente de quem desvelou os segredos de tantos e tantos autores. Porque com ela por perto foi sempre tão mais fácil. Havia sempre mais uma interpretação, mais um caminho a explorar. Nunca existiram barreiras aos meus juízos. Levei-lhe o meu exame cheia de orgulho, o resultado último de duas pessoas que, quando foi necessário, conseguiram envidar esforços por um fim comum.
Há momentos na vida que a morte não apaga. Perdeu-se a presença física, a existência, o conhecimento. Mas fica a lembrança indelével de alguém que, duma maneira muito própria, me conseguiu tocar. Fica mais um "insubstituível" nas nossas vidas. Ela partiu, nós ficámos, mas o que nos deu fica connosco, para sempre. A morte poderá tê-la derrotado, mas continuará certamente a viver em cada uma de nós.
Dedico-lhe dois poemas do Miguel Torga, porque realmente haviam metáforas que só faziam sentido quando explicadas por ela.
A Um Negrilho
"Na terra onde nasci há um só poeta
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!"
Desfecho
"Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pudesse combater
O terror de te ver
Em toda a parte.)
Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente...
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silencioso na agressão.
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia."
domingo, 1 de março de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentários:
tiveste ainda assim, fs o previlégio de ser tocada por uma pessoa maior.
porque existem momentos que mudam a nossa vida. e pessoas. e poemas...
Enviar um comentário