Sempre fui duas pessoas dentro de mim mesma.
Sempre senti dois sentimentos ao mesmo tempo, sempre racionalizei o que sinto, sempre pensei duas coisas distintas, sempre tive raiva e pena, amor e desprezo, atracção e repulsa, branco e negro.
Com o tempo habituei-me a ser dual e a reconhecer que as duas mulheres que vivem dentro de mim jamais se sentiriam ambas saciadas e que era preferível deixá-las sentir a espaços.
E assim os anos foram passando. Houve momentos em que a divisão do meu coração era tão notória que poderia ter amado dois homens distintos pelo simples facto que elas não pensam e não sentem da mesma forma.
Mas subitamente ocorreu-me que talvez as pudesse reconciliar, talvez pudesse abraçá-las a ambas, a malícia e a inocência.
E isso lançou-me em mais uma crise profunda de identidade. Não existem espelhos suficientemente grandes onde possa espelhar-me completa. Não existem pessoas suficientemente profundas que possam compreender e aferir as duas linhas de pensamento que me queimam por dentro. Ou existem?
Eu quero avançar, eu quero recuar. Quero ser eu, quero ser a outra, quero gritar, quero o silêncio.
Estranhamente há algo que me diz que se não for agora que as assuma a ambas nunca mais o poderei fazer. Perderei o que há de genuíno em mim que é a dualidade.
As pessoas. As que esperam algo de mim. Que esperam coerência e coragem, que esperam que os meus dedos não tremam.
E as outras. As que me dizem que preciso mudar. Que não compreendem que a mudança está a ocorrer a um grau tão intenso que é impossível para mim neste momento mudar algo mais. E mesmo que fosse, mudaria? Porque há em mim uma mulher que me diz que não. Não mudaria, não, pelos outros não. Porque o resultado que está à vista agora já foi alvo de mudanças que vieram de dentro.
O que eu preciso não é avançar. É recuar ao momento em que quebrei o coração em dois para sobreviver entre os restantes.
Ontem entrei para dentro. Não antevejo que vá sair de dentro do meu âmago nos próximos tempos. A solidão fala comigo de igual para igual. E hoje, ninguém vive dentro da minha solidão.
Ontem, pela primeira vez em muitos anos fui à fonte e voltei sozinha. E as asas abriram-se perigosamente perto do momento em que ia estilhaçar.
Estranhamente há algo de poderoso na ausência do teu rosto. Hoje acordei com a certeza que a tua partida me fez bem. Já não são as tuas mãos que me percorrem a pele antes do momento da queda.
As fronteiras que dividem o meu ser dos restantes estão cada vez mais definidas.
Sempre tive medo do dia em que ia ter medo de sentir. Esse dia chegou finalmente.
Preciso que me abandonem. Que não sintam afecto. Nem desejo. Nem ternura. Nem que queiram que os meus olhos fitem os seus.
Existe uma acalmia poderosa na inexistência de expectativas.
Tenho medo de sentir. De me apaixonar. De errar. De perder. De não ganhar. De ser eu. De ser ambas. De descobrir mais uma vez que a dualidade do meu ser assusta quem me rodeia.
Das possibilidades. Das incompatibilidades.
Tenho o coração ferido da mágoa. A alma quebrada. E talvez nunca mais me recupere.
Eu já fui duas dentro de mim mesma e essas duas eram unas.
Preciso voltar a ser eu. Preciso voltar. A ser eu.
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