sábado, 22 de janeiro de 2011

Sangue das veias

O reencontro com o passado prova-me que noutras épocas fui muito mais aguda e acutilante.
Tinha palavras dentro de mim que rasgavam a penumbra e iluminavam a escuridão.
Atravessavam o comodismo, traziam consigo o sabor acre da verdade.
E hoje tenho o peito cheio de lágrimas e a voz vazia. As pessoas que amei deixaram-se a si próprias, despiram as suas peles e metaforsearam-se em cópias distorcidas de si.
Hoje, nada mais me sobra que o medo de ser eu mesma. Querem ensinar-me a paciência. O valor da cautela e da prudência.
E eu quero explodir, implodir, acabar com tudo, transformar o caminho em pó, não quero paciência, não quero ser cautelosa, não quero ter medo, não quero nada, não quero sequer sentir, quero a acalmia que antecede o vulcão, quero não querer.
E os que partiram, voltam a espaços, assombrar-me os sonhos e a aparente serenidade.
Onde estás, afinal? Que angústias toldam o teu sentir? Ela não sou eu. É um facto linear. É um facto tão linear que me dá vontade de rir até não restar em mim nada mais que a fúria do ridículo.
Se estivesses aqui dirias que compreendes a ânsia de quebrar tudo o que construo, apagar tudo, recriar-me, abster-me, lançar-me de um abismo. Se estivesses aqui dirias que te arde a pele da mágoa. Se estivesses aqui dirias imensas coisas e não dirias absolutamente nada.
Ela não sou eu. Nem nunca será. E tu nunca mais serás tu. Porque a tua imagem só existe quando sou eu que te apreendo.
Se estivesses aqui sei que não hesitarias em deixar-me cair, em atirar-me todas as palavras erradas.
E ainda assim onde estás desperdiças a poesia, a alma, o corpo, a pele, a ânsia, o degredo, o abismo por algo que te faz um qualquer sentido. E quando me invades a psique dizes-me apenas "Ela não é a Sílvia.". Não. Não é. Eu garanto-te que te atirava de um abismo, que havia de te rasgar até sangrares, até sentires.
Conheço-te perfeitamente as dúvidas e as angústias. As palavras desnudam-te a alma. Assim como a ausência de palavras.
Hoje é dia de me atirar de um abismo e deixar o silêncio engolir-me. Hoje não estás aqui para me vigiar a queda e garantires que a última coisa que ouço é a tua voz.
Hoje não estás aqui. E no entanto, as veias pulsam-te devagar, algures onde estás. E sabes que hoje é dia de nos atirarmos para um abismo.
Chega de paciência. Chega de pensar. Chega de prudência. Chega de sorrisos e gargalhadas. Hoje chega. E o abismo lá em baixo a chamar por mim e a loucura a assomar-se. E eu aqui. Suspensa.
E tu, algures a sentir de forma distorcida. Se estivesses aqui dirias: "Ainda me vês?" Sim, ainda te vejo. E essa seria a imagem que teria na altura da queda.
Não esperes que alguém te compreenda. Ninguém o fará. Não esperes que te observem enquanto sentes o ar a passar-te no rosto e as asas a abrirem-se no preciso momento que julgas que irás terminar tudo. Não esperes que empatizem com a necessidade de destruir e no caos reencontrar o equilíbrio. Não esperes que ela seja eu. Nunca será.
Eu não espero.
Mas por hoje, não serei paciente. Nem certa. Nem terei medo das palavras e da dor.
Hoje vou lançar-me num abismo até sentir as asas a abrirem-se no momento que antecede o fim.

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