sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

A destruição do epicentro

 
Passaram 10 anos duma perda irreparável, uma fragmentação de modo a proteger o âmago e uma espiral contínua numa busca de sentido onde nada substitui o que se perdeu.
Nunca estamos preparados para perder o que nos ancorava. Um dia acordamos e o mundo surge inverso porque tudo o que era deixou de ser. Passou a ser diferente.
Alguns de nós conseguimos apontar no tempo o momento preciso em que nos fragmentámos para sobreviver à perda de algo que era basilar ao que éramos e ao que somos.
Para mim, o processo foi mais cedo, mas talvez não tão fundamental ou brusco como o da fs2. Questiono-me se será por isso que consegui sair relativamente sã duma torrente de eventos que poderiam ter facilmente estilhaçado quem sou, dum modo em que não mais me reconhecesse em mim.
No entanto, não consigo apontar o momento em que as palavras deixaram de ser palavras e passaram a ser riachos que se tornaram em rios paralelos, por vezes tão idênticos e noutras completamente diferentes.
A espiral que nos engoliu corre a duas velocidades distintas. Uma tão rápida que nos deixa confusos quando finalmente aterramos e outra tão lenta que parece que pouco se move.
Eu ainda sou movível, não ao ritmo estonteante da espiral que engoliu a fs2, mas a um ritmo que me permita fazer sentido do que decorre lá fora.
Grande parte da minha vida é hoje pincelada com cores esbatidas por força das dores que me acompanham, físicas ou emocionais.
Os dias tornaram-se mais pequenos. A energia mental exigida para me manter funcional vai sendo tanto maior quanto maior é a medicação e o percurso para me manter num ténue equilíbrio físico, facilmente estilhaçado.
O ritmo é bastante mais lento, mas continua a trazer-me aqui.

Os anos em que criámos o chão que criou este espaço parecem-me, à distância, quase surreais.
A minha vida pessoal era um vulcão em permanente ebulição. Desses anos, as memórias que guardo são sobretudo dos corredores e do riso, da leveza que eu não tinha mas conseguia encontrar no laço e nas raízes, nos tijolos e no cimento.

É extraordinário pensar que se passaram 10 anos duma perda que por muito que seja repetida em palavras e gestos, nunca ninguém irá compreender totalmente.
Não importa quantas vezes seja referido, ninguém consegue percecionar a destruição que começou no epicentro e cujas ondas se sentem ainda hoje. Possivelmente, nunca se deixarão de sentir.
Existem feridas que não saram, a espaços sangram, resta-nos aceitar que existem e que nunca se irão fechar inteiramente.

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