domingo, 15 de janeiro de 2023

Casulo

 "Hoje tenho maturidade para perceber que, na grande maioria dos casos, as pessoas que nos aconselham estão em situações onde nunca seríamos capazes de estar."

Felizmente para mim, eu apercebi-me disto muito cedo. É fácil lançar umas platitudes quando não estamos na situação e a generalidade das pessoas não entende bem a palavra "empatia".
As pessoas podem ter opiniões e dizer A ou B e que por ali seria um caminho muito mais fértil. Mas na verdade, não são eles que (con)vivem com as consequências, nem estão dentro da nossa matriz de pensamento para poderem realmente saber o que é melhor.

As decisões são sempre tomadas num vácuo, porque na realidade, nunca sabemos como vai correr até a termos tomado.

Muita gente criticou quando me casei aos 21. Eram críticas válidas, mas ninguém estava na minha posição. Sabendo o que sei hoje, possivelmente teria optado do mesmo modo. Porque não queria viver com a possibilidade a pesar na minha mente, com a ideia que poderia ter apostado e poderia ter ganho. O resultado final foi diferente do que eu gostaria, na altura. Mas se tivesse tudo corrido "bem", hoje seria apenas uma curiosidade que seria contada entre família.
Conheço uma rapariga que casou exatamente com a mesma idade. Hoje continua a viver com o marido e os 3 filhos. Garanto que ninguém se questiona o motivo dela ter casado quando casou. Porque correu tudo "bem".

As pessoas que me rodeiam têm vidas que eu não queria ter. Posso não ter "tudo", não tenho filhos. Mas não trocaria as minhas circunstâncias pelas de ninguém que conheço. E se isto não diz tudo, não sei o que diga.

A fs2 possivelmente encontrou o que queria cedo demais e como tal, não percebeu o verdadeiro valor do que tinha. Na altura optou, e a opção também só é sabida porque foi tomada. Não saberíamos o resultado doutro modo. Foi alvo de vários "conselhos" e a única coisa que lamento é saber que não foi inteiramente tomada apenas por ela, sem interferência do ruído dos outros. Os outros esperam de nós coisas que nem eles são capazes de alcançar.

Ter uma relação, se for uma relação saudável, é realmente construtivo em muitos aspectos. Mas não é a solução para todos os males e a única transmutação da nossa vida que faz sentido. Acredito que muitas pessoas vivam perfeitamente bem sem uma relação e se atendermos à média das relações que conheço, é um risco sequer entrar numa. Não estou a dizer que não se deva entrar, mas sim que deve ser algo ponderado que se faz porque se quer, sem a interferência do ruído dos outros.

Eu conheci o meu marido através duma aplicação, que não foi o Tinder,  graças à fs2. Mas mesmo essa aplicação é nos dias de hoje muito diferente do que era na altura e não foi assim há tanto tempo. Tal como fs2 conta, conheço relatos de quem usa aplicações e são mundos muito diferentes do que eram. Também conheci várias pessoas através do mIRC em míuda e falavam-se semanas, às vezes meses, até sequer se ver uma foto. O envio da foto era só por si, um sinal de confiança. Hoje fala-se 2 minutos e com sorte, recebe-se uma dick pic e um convite para jantar. Mesmo que se vá sair e corra mal ou que a conversa azede, há sempre outro dia e outro perfil para escrutinar.

Corri muito até encontrar o meu marido, até porque contrariamente à fs2 nunca fui independente financeiramente ao ponto de conseguir suportar sozinha uma renda e tudo o resto. Vivi condicionada e mesmo assim carreguei no botão de reset as vezes suficientes até sentir que tinha chegado a algum lado, com o consequente turbilhão. Não aconselho a ninguém, é debilitante do ponto de vista emocional. Houve alturas que cheguei a duvidar que alguma vez me fosse sentir verdadeiramente estável com alguém. Acho que só há um par de anos é que senti que realmente nenhum dos 2 vai a lado nenhum sem o outro, que não precisava ter mil e um planos que me garantissem uma saída válida em caso de SOS.

A fs2 não precisa carregar no botão de reset porque está bem assim. É discutível se estaria melhor se encontrasse uma relação saudável, mas não é motivo para planos de acção. Antes só que mal acompanhada, frase antiga que muito poucos parecem verdadeiramente perceber ou viver de acordo. Com a paz podre de muitos casais, preferia viver sozinha. Conheço vários. Preferia não conhecer. Chega a um ponto que me pergunto se as pessoas que existiam antes ainda vivem dentro do casulo que é a nova persona dentro das circunstâncias que vivem.

"Mas diria que isto é transversal na sociedade dos dias de hoje. Com as amizades, se virmos bem, funciona de modo muito similar". Por vezes penso que devia tentar fazer mais amigos, até que uma das pessoas com quem convivo direta ou indiretamente tem uma atitude que eu me pergunto que mundo é esse lá fora e me recolho, quieta, aqui num lugar seguro.

Há umas semanas, um amigo disse que deveríamos combinar um almoço de Natal para depois percebermos que tinha o mês de Dezembro todo tomado com outros almoços de Natal, embora tenha sido o próprio a falar sobre isto. Deverá acontecer, algures no tempo, com sorte antes do Natal de 2023. E este episódio é talvez o mais benigno de todos os que vão acontecendo por aqui.

As pessoas têm pouco tempo e como tal, têm outras prioridades. A maioria das pessoas está noutro estágio de vida porque têm filhos e a vida tomada pelos eventos normais das crianças e as que restam, funcionam um pouco como conhecer pessoas nas aplicações.

As pessoas movem-se aos seus ritmos e nós ou cedemos ou mantemos o nosso. É cada vez mais raro haver qualquer tipo de compromisso. Ou estás a 400% e capitulas quem és, ou não estás. É um jogo perverso. Não conseguimos ser sem os outros, pelo menos até um certo ponto. Somos animais sociais. Mas o preço a pagar pelo retorno do investimento, deixa-me com muitas reservas. Talvez eu esteja fechada dentro do meu casulo, mas o mundo lá fora está cada vez mais ruidoso e cada vez mais implacável.

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