domingo, 8 de janeiro de 2023

Compromissos sociais

O Inferno são definitivamente os outros, o facto de não nos verem como somos e sim como precisam/exigem que sejamos.

A sociedade atualmente corre a dois tempos, o online e o "presencial". Com as redes sociais, é-nos vendida a ilusão que todos nós estamos online e que lá "fora" o que é tema nas redes é também visto do mesmo modo ou discutido com o mesmo grau de importância. Garantidamente, tal não é verdade. Eventualmente, os temas que hoje são mais "progressistas" ou transgressores vão chegar ao offline, embora já esbatidos e até certo ponto distorcidos pelos debates e filtros da primeira fileira.

Desde que tenho uma ligação de internet estável, há 20 anos, que estar online e ter a informação potencialmente perto é algo que me define. É o meu único "vício". Isso não implica que a minha seja especialmente instagramável, porque não é. Mas ter a perceção do mundo e discussões online e offline, dá-nos bastante perspectiva.

A vida online está a progredir a um ritmo frenético e nesse mundo, ser-se childfree ou não seguir uma linha recta, é perfeitamente aceitável e, até certo ponto, normal. Mas para o offline, está longe de ser assim. A sociedade ainda pensa e faz-nos sentir que uma relação a dois não é uma "família". Se não há crianças, falta sempre algo, uma continuidade, és apenas uma "meia" família.

Essa imagem da família nuclear foi-se tornando menos idílica quanto mais lido com quem tem a família nuclear criada e põe uma máscara social de felicidade, quando é everything but. Não digo isto porque não tenho filhos. Digo porque, lamentavelmente, é o que vejo. E preferia não ver.

Portanto, não acho que a fs2 tenha falhado porque não cumpriu ou não pensa cumprir uma maternidade. Até porque do mesmo modo que eu sinto que a adopção seria um projecto demasiado arriscado emocionalmente e com um elevado custo emocional, físico e temporal e portanto não coincidente com o projeto que sonhei, acredito que para a fs2 a maternidade vivenciada em determinadas circunstâncias seja também ela arriscada e com um elevado custo e portanto também não coincidente com algo que possa ter imaginado enquanto jovem adulta.

O que era ontem, não é hoje.

A crise de valores e princípios é algo que sinto desde há muito. Os nossos pontos de partida foram radicalmente diferentes, pelo que nesse aspecto, só perdi o que sonhei que encontraria, não perdi algo que já tive e deixou de ser meu.
Criei várias ligações, é para mim relativamente fácil criar um laço com as pessoas. Mas não é um laço verdadeiramente profundo e é muitas vezes pautado pela força das circunstâncias. Ou haver alguma situação comum fortuita, que origina que encontre alguns pontos de interesse comum com alguém.

Não acho que o covid tenha mudado nada, que nos tenha aproximado ou afastado mais. Acho, que no meu caso particular, possibilitou não ter compromissos sociais.
Sem covid, jamais estaria a trabalhar remotamente e esse foi um dos aspectos mais benéficos a todos os níveis.
Não ter que ir e vir, com o consequente custo monetário e físico da deslocação é incrivelmente positivo para mim a vários níveis.

Sem covid, a realidade do teletrabalho não seria possível para a generalidade da população. Ainda não chegou a todos, mas chegou a alguns e antes só chegava mesmo às equipas de IT.
A pandemia democratizou o teletrabalho.

Por outro lado, visto que estou a trabalhar remotamente, as minhas interações sociais diminuíram drasticamente. Mas não vejo isso como algo negativo. Eu sou uma pessoa introvertida, o que não significa que não goste de interagir com pessoas. Mas significa que agora posso interagir com as pessoas porque quero e não porque sou "obrigada" por força das circunstâncias e isso permite-me guardar energia para aplicar noutras coisas.

Mentiria se dissesse que não existem momentos em que sinto falta de uma ou outra pessoa do contexto laboral. No entanto, o meu trabalho sempre teve uma rotação elevada e ver partir pessoas com quem falava diariamente era habitual. Mantenho algum contacto esporádico com pessoas que me foram mais próximas. É, porém, inegável que nunca tive muito em comum com a generalidade dessas pessoas. Ou por diferenças de idade, ou de percurso ou simplesmente por diferentes formas de estar. Não significa que não gostasse delas. Significa apenas, que quando a circunstância comum é removida, torna-se mais difícil manter esses contactos no mesmo registo.

"Noto uma grande falta de profundidade nos temas e na abordagem, egocentrismo, pouca disponibilidade e compromisso." Não poderia concordar mais. No entanto, não sei se alguma vez foi assim tão diferente. Basta olharmos à volta e algumas pessoas mantém-se próximas porque têm filhos e as crianças têm eventos comuns ou simplesmente é benéfico que brinquem entre si, servindo de cimento para os respetivos pais. Noutras, é porque frequentam os mesmos espaços ou têm hobbies em comum e portanto, isso mantém-nas próximas. E, quando tudo isso falha, é porque há interesses românticos/sexuais envolvidos.

É incrivelmente díficil organizar um evento social simples como ir jantar com alguém, se não houver à partida um interesse envolvido ou uma circunstância comum. O tempo é pouco, a vida adulta deixa-nos com recursos relativamente escassos e existem dinâmicas familiares e sociais que não podem ser adiadas, porque é assim que a sociedade funciona.

Também nesse aspecto, o covid servia como uma desculpa perfeita para aliviar algumas das "obrigações" sociais a que nos vemos presos.

Talvez o meu discurso pareça de alguém que considera que estar desconectado é a melhor solução, mas na verdade, não é essa a razão que me leva a escrever o que escrevo, e sim a frustração de sentir que as pessoas se movem socialmente por motivos que não são coincidentes com os meus. Que se não tivermos um interesse romântico ou sexual associado ou não existir uma circunstância completamente aleatória, é estupidamente complicado manter as pessoas.

E que quando tudo o resto falha, os outliers navegam relativamente isolados e é por isso esperado que estejam sempre disponíveis para/quando são necessários.

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