terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Childfree

 Quis a Providência (e a minha promessa a mim mesma num Passado que parece ter acontecido noutra vida), que na minha vida repleta de crianças, nenhuma seja minha.
Hoje não vou falar no percurso e sim nas peculiares circunstâncias de ser childfree.
A sociedade condiciona-nos a pensarmo-nos numa determinada cadência de acontecimentos relativamente pré-determinados. Quando a nossa vida se desvia, ainda que por poucos passos, dessa linha pré-definida, encontramo-nos meio perdidos, nós e os outros, numa condição atípica em que é difícil enquadrarmo-nos.
A primeira coisa que rapidamente percebi, é que até certo ponto, somos encarados como estando suspensos num tempo incerto. Quando me colocam a questão "então e o que contas de novo", na verdade não conto grande coisa. Não há crianças para assinalar as gracinhas que fazem ou a sua percepção por vezes acutilante, ou os seus objectivos cumpridos.
Portanto, muito pouco se passa de realmente "novo".
A juntar à cadência dos dias que podem parecer iguais ou muito pouco distintos para quem vê de fora, a pessoa que não tem as crianças é sempre encarada como muito mais disponível. Os teus horários passam a rodar em torno dos horários da pessoa (seja amigo ou familiar) que tem as crianças, e logo mais responsabilidades e dificuldades acrescidas. Pelo que a bola está sempre no teu campo para te adaptares, o teu tempo é, de certo modo, menos valioso.
O mesmo verifica-se nas empresas, onde os colaboradores com filhos têm geralmente mais algumas regalias na marcação de férias ou escolha de horários. Embora compreenda que é evidente que quem tem filhos tem sempre mais condicionantes (como seja ter onde deixar as crianças quando os colégios fecham), também não me parece inteiramente justo que seja expectável quem não tem filhos tenha eterna disponibilidade para assegurar horários noturnos ou fins de semana. Esta situação não me atinge particularmente porque eu prefiro fazer um horário mais noturno, mas foi e continua a ser fonte de bastantes conflitos na empresa onde trabalho.
Mais importante que os factores referidos é a dificuldade em encontrar pontos de interesse comuns com pessoas que têm filhos. Embora não seja a minha experiência com os meus irmãos (felizmente), com outras pessoas é sempre muito complicado manter algum tipo de conversa que não termine quase exclusivamente nas crianças. Embora eu goste de crianças, é maçador quando todas as conversas terminam nos episódios caricatos ou engraçados dos garotos, muito menos quando nem os conhecemos ou temos qualquer interacção com os mesmos.
Talvez seja injusto da minha parte, mas a sociedade parece esperar que os adultos abdiquem da sua personalidade e interesses para o superior interesse da criança, deixando de ser o A ou o B e passando a ser o pai de C ou D,num processo de obliteração do indivíduo em prol da criança.
Não é incomum ler críticas a propósito de qualquer mãe que poste uma fotografia num qualquer espaço social sem a criança, mesmo que seja uma saída esporádica e a criança esteja entregue a um familiar próximo ou no colégio/escola. Não me parece saudável esta desintegração do ser para se assumir apenas uma identidade, mesmo que essa identidade seja a mais importante numa determinada altura da vida.
Visto que muitos dos que me rodeiam estão atualmente neste ponto das suas vidas, é bastante incomum encontrar alguém interessante ou ajustável o suficiente. 

Lógico que isto não é uma regra sem excepção, mas é sem dúvida uma das situações que mais me tem merecido reflexão. 

A sociedade não tem estrutura para lidar com outliers.

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