Foi em 1969 que Philip Zimbardo desenvolveu uma teoria muito propalada em PS, denominada por teoria da desindividuação, que postula que o estado de desindividuação é activado nos indivíduos quando estes se inserem em multidões ou em grandes grupos. Este estado caracteriza-se por uma diminuição da consciência do self (o EU) e da individualidade o que, por sua vez, irá reduzir a capacidade dos indivíduos se retraírem, assim como a regulação normativa do seu comportamento. Duma forma mais lata, a teoria tenta explicar a aparente transformação de indivíduos racionais em grupos ou multidões desregradas e desinibidas. Nesta perspectiva, o conceito de desindividuação preconiza a mudança da consciência individual como forma de adaptação à sociedade caracterizando-se, igualmente, pela ausência de um sentimento de individualidade distinta ou de autoconsciência.
Confesso que durante muito tempo esta teoria pouco ou nada me disse. Em boa verdade, arrumei-a no baú dos tesourinhos deprimentes de PS, até porque a experiência que a sustenta é simplesmente atroz e vota a existência humana a uma miséria incomensurável. Anos volvidos, quando me debrucei novamente sobre o tema, consegui identificar-me com o conceito, a ponto de o apropriar e de o transpor para a minha experiência de vida, ainda que de uma forma generalista e transversal.
Sempre segui um percurso de vida relativamente errático. Sem falsas modéstias, acho que passei por muita coisa cedo demais. Aprendi, ainda jovem, a viver com a angústia insuportável do “nunca mais, para sempre”. Tive as respostas antes de me serem colocadas as questões. Acreditei na grandeza dos homens por pouco tempo: há quem diga que somos todos bons até prova em contrário. Eu inverti esta premissa, quando tomei consciência que a perfídia existe e surge, infelizmente, donde menos (e de quem…) menos se espera. As minhas percepções de justiça sofreram danos irreparáveis quando a vida ainda me parecia idílica. Sempre tive as certezas sem sequer ter a necessidade de colocar a dúvida, raramente construí hipóteses para as poder confirmar ou infirmar. Neste sentido, e talvez por ter percepcionado antes de tempo qual o caminho a seguir, optei por envidar esforços a galgar terreno impérvio.
Há algum tempo atrás, um amigo resumiu-me da seguinte forma: “Sempre te conheci à procura de um caminho e ainda estás. Tenho uma perspectiva histórica tua, acho que tens muito potencial, mas andas agora preocupada em vestir o estereótipo social e em ser uma pessoa que não és.” Obviamente que escarneci um pouco na situação e avancei rapidamente com um conjunto muito verosímil de justificações e argumentos de toda a espécie. Mas, naquele momento, ele sistematizou-me duma forma tão clarividente e tão singela que eu não tive humildade suficiente para comungar da sua opinião e assumir o erro crasso que estava a cometer.
Já se sabe, sou das ideias fixas, dos testes, das racionalidades, das teorias. Quando era mais nova, as certezas do mundo habitavam-me, vivia imbuída de raciocínios que era diferente e que deveria superar a todo o custo a vulgaridade e a mediocridade. Vivi bem com isso durante muitos anos e era, indubitavelmente, muito mais feliz do que sou hoje em dia. Algures no tempo, alguém abalou os meus alicerces. Recolheu as minhas palavras e usou-as como argumentos ad hominem. Destroçou-me com o meu próprio discurso e questionou todas as minhas verdades axiomáticas. Aqui começou um longo e desgastante processo de desindividuação. Tinha sido desafiada e, infelizmente, não resisti à tentação de entrar no jogo. Mas eu esqueci-me que para se poder ganhar é preciso primeiro aprender a perder. Andei anos a tentar provar que as acusações não faziam sentido e, durante todo este tempo, esqueci-me do mais simples: assumir a diferença e defendê-la, porque a minha idiossincrasia não deveria em momento algum ser alvo de ameaça. Envidei por relações sociais sem qualquer interesse, desvelei-me em milhentos contextos. Aquela que outrora era intangível era agora um livro aberto cheio de tesourinhos deprimentes para partilhar. Mais grave, e talvez o mais preponderante e lamentável de tudo isto, andei anos a viver em função de terceiros, e não em minha função.
Comecei um ininteligível processo de reestruturação mental. O erro estava em mim e não nos outros. Eu era a inacessível, a inatingível, a incognoscível, a inexorável, a impassível, e assim sucessivamente. Completada a mentalização, seguiu-se a experimentação, assim como todos os danos colaterais que daí decorreram. Não tenho noção da quantidade de pessoas que entraram e saíram da minha vida, tal o disparate a que me votei. Pelo meio há ainda duas relações a considerar, que serviram apenas e tão somente para aumentar o grau de dificuldade da cruzada.
Por fim, veio a angústia da desindividuação. Sempre fui uma pessoa volúvel, mas a verdade é que adquiri uma estranha capacidade de me metamorfosear e de me adaptar a qualquer tipo de contexto social. Criei várias pessoas diferentes, sendo que nenhuma delas era eu. O que sobra quando se soma e se subtrai sucessivamente? Nada. Fica um vazio imenso e a dúvida: provar o quê, a quem? Para quê?
Precisei efectivamente de me perder completamente para me poder reencontrar. Comecei então um ingente processo de desconstrução social. Fiz muitas coisas erradas na vida, é certo, mas esta não era certamente uma delas. Não posso fingir ser quem não sou, pelo menos durante muito tempo e para muitas pessoas. Não posso vestir o estereótipo social quando, efectivamente, este nunca me fez qualquer sentido. Não posso deixar de estimar e de seleccionar as pessoas que são realmente especiais, e que merecem toda a minha dedicação, para me debruçar sobre relações com pessoas com as quais não me identifico.
Mas é na miséria e na confusão que as maiores revelações sucedem. Feita a reflexão, assumido o erro, detectei que a minha estrutura permanecera igual e regozijei-me com o facto. Depois de ter perpetrado o maior dos crimes – o de ter atentado contra mim própria – a minha essência estava intacta. Nesse momento pensei que, afinal, os mecanismos de defesa que criei para a minha pessoa tinham sido tenebrosamente eficazes. Algures no tempo fui prudente e mantive no meu inconsciente que a maldade das pessoas é imensa e que, por vezes, a nossa força para a superar escasseia.
Hoje, a PERCA delibera sobre o regresso às origens. É preciso, por vezes, seguir por caminhos enviesados e tortuosos para se encontrar um significado para o nosso existir. É preciso aprender a confiar nos outros mas, fundamentalmente, há quer ser muito rigoroso na selecção das pessoas a quem confiamos os nossos segredos. A força que nos habita surge quando menos se espera, pelo que não devemos desistir de lutar pelas coisas nas quais acreditamos.
Depois de ter andando à deriva durante tanto tempo, regressei a mim. Parafraseando o nosso MESTRE, “regressei à noite antiga e calma, como a paisagem ao morrer do dia”.
Deixo ainda uma palavra de profundo orgulho e admiração para a FS1. Sabes bem ao que me refiro, porque fomos atacadas injustamente em conjunto. Partilhámos as dúvidas, as angústias, os caminhos a seguir. Mas tu foste enorme e eu cedi. Aguentaste tudo com a calma possível e mantiveste-te igual a ti própria. E foram tantas as vezes que me avisaste e eu não te ouvi, talvez por que fosse directamente afectada e tenha perdido o discernimento ou por que, até no limite da minha insanidade, ainda não estivesse preparada para descer tão baixo. Talvez ainda por que, como tu tão bem dizes, ainda sou pela moral e pelos bons costumes, e ainda não sei tratar pessoas como se tratam as pedras da calçada.
Agradeço-te pelo apoio que me prestaste, dentro da confusão a que nos votámos. A nossa relação saiu fortalecida desta situação e, só por isso, consigo reconhecer-lhe alguma utilidade. Como diriam os nossos colegas de profissão, “misery likes company”. E eu gosto da tua.
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
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2 comentários:
eu própria voto-me a todo o descrédito e permito que as pessoas por vezes se aproveitem do que conhecem de mim.
atempadamente virei gerar um texto de partilha.
a sociedade e a pressão social impelem-nos a sermos alguém que não somos. a termos verdades que não o são.
a vermos por olhos que não os nossos.
E eu em breve virei falar da vinculação que é o que nos está a faltar, parece-me. Sabes o que te digo?
"Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio."
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